22.9.08
Os Alarves do Riso ou O Humor na Televisão
O humor na TV portuguesa está a tornar-se num caso muito sério de insanidade mental, insanidade de quem o pratica e para aqueles que inescapavelmente lhe sofrem as consequências.
Indivíduos inconscientes, arvorados em artistas, convencidos de que têm graça, enxameiam, com programas ditos humorísticos, a já de si descabelada programação televisiva, elaborada na base de uma ementa de concursos idiotas e de telenovelas tão fúteis quanto perversas, sejam portuguesas ou brasileiras.
Alguém deveria, com urgência, estudar clinicamente os efeitos deste tipo de programação na formação da mentalidade dos espectadores, na sua maioria, pouco dados a outros tipos de passatempo, culturais ou de mera diversão, com que costumam preencher os seus momentos de ócio.
No caso dos humoristas televisivos, a gravidade da situação, pela sua natureza ofensiva, assume foros de escândalo. Quase todos eles deram em troçar do povo rural, apresentado, por via de regra, como boçal, primitivo, bisonho, quando não soez, praticamente retratado naqueles programas como um bando de indigentes mentais.
Esta prevalência do povo rural como tema de humor, explorado de forma gratuita, oportunista e totalmente malevolente, em que se escolhe como alvo de crítica quem, consabidamente, não tem qualquer relevância ou influência social e por isso desprovido de capacidade de defesa da sua vilipendiada imagem, denuncia, no humorista, alguém dotado de mente deformada, perversa, servida por carácter ignóbil e, acima de tudo, cobarde, porque seguro da impunidade da sua acção.
Trata-se do exercício de uma «arte» absolutamente envilecida, que se sabe ao abrigo de qualquer consequência, pela previsível incapacidade de reacção dos ofendidos.
De um modo geral, estes humoristas da nova vaga imaginam-se muito evoluídos, em comparação com o povo rural ou do interior, entre outras coisas, porque nasceram numa cidade do litoral, viram muita televisão e filmes americanos, consumiram imenso lixo cultural, supostamente moderno, alguns deles, pasme-se, frequentaram até «universidades» e aí se licenciaram ou obtiveram graus académicos ainda mais elevados.
Inflados com todo o lixo que as suas privilegiadas cabeças por lá prodigamente absorveram, julgam-se de uma raça superior ao povo que, em grande parte, ainda os alimenta, nos víveres que consomem e que, com os impostos que paga, sustenta o Ensino degradado que lhes confere os cobiçados diplomas, vazios embora de conteúdo, na sua maior parte, logrados em universidades particulares de fundação recentíssima, mas mui ufanas do seu estatuto, algumas chegando mesmo a intitular-se independentes; independentes, claro, de qualquer conhecimento ou saber, como da probidade da sua aquisição.
Na TV pública e privada estes humoristas de pacotilha denigrem rudemente o povo mais simples e generoso que ainda temos, aquele que, em tempos de crise, de catástrofe ou de guerra é chamado a defender ou a salvar propriedade e soberania daquilo que já foi uma Nação, Comunidade ou Pátria e hoje não se sabe bem o que seja.
Ao contrário, com estes finórios humoristas, metidos a artistas ou quiçá a intelectuais vanguardistas, em qualquer momento de apuro para o País, a que nominalmente ainda pertencem, sucederá que os acharemos impedidos de colaborar ou de emprestar o seu concurso, alegando os tradicionais argumentos dos joanetes, pé chato ou asma brônquica, certamente da sua longa inactividade e do copioso fumo engolido em escorridas noites, passadas em ruidosos ambientes, de escassa utilidade e nenhum proveito.
Haverá maior boçalidade do que escarnecer de pessoas humildes, indefesas e singelas na sua relação com a Natureza, que conhecem melhor, nas suas principais funções, que aqueles de quem sofrem o nefando vilipêndio ?
Quem será, afinal, mais ignorante : o povo rural ou camponês que compreende e domina as tarefas que tem de desempenhar para garantir a sua sobrevivência e a dos seus concidadãos, apesar de não ter tido acesso a escolas superiores ou universidades ou aqueles que, tendo tido essa oportunidade, sustentada pelos que dela se viram privados, ficaram, não obstante, obtusos de entendimento, num estado de semi-analfabetismo, absolutamente auto-enganador, que os leva a presumirem-se acima de quem ainda lhes assegura imerecido sustento ?
Não haverá nas vastas organizações onde trabalham estes celerados humoristas nenhuma alma caridosa que os aconselhe, que lhes faculte um pouco de senso nas suas cabeças pesadas de tanto lixo consumido ?
Não terão as empresas de televisão, em exercício, ninguém capaz de ministrar um módico de senso e de critério a estas desequilibradas criaturas, que se presumem de humoristas ?
Para que servem então os putativos Provedores dos Telespectadores desses canais de televisão ?
O tema merecerá, por certo, desenvolvimento oportuno.
AV_Lisboa, 22 de Setembro de 2008
7.9.08
Para uma Saída do Portugal «Socrático»
Há tempos, levantei aqui a incómoda questão da utilidade destes escritos. Ultimamente, ainda com maior frequência me tenho perguntado se valerá a pena consumir tempos preciosos, que podem vantajosamente ser aplicados noutras acções, até para ler, acto que, sem qualquer dúvida, resulta em nosso benefício líquido imediato.
Quando se tem biblioteca abundante, ainda esta afirmação tem maior propriedade. Para além de que o passivo de leituras, com o rodar dos anos, se vai tornando incomportável, difícil de ultrapassar, agravando-se, em lugar de se aligeirar, como ingenuamente se pensa ou se finge acreditar.
A chegada da era dos blogues pareceu a muitos a grande abertura ao mundo, a possibilidade de debates culturais intermináveis, ricos, estimulantes. Depressa esta ideia se desvaneceu. Surgiram, de facto, muitos blogues, mas a maior parte deles de motivação político-partidária, com os seus temas dominantes, os seus ódios de estimação, as suas damas cortejadas, vincadamente enfeudados a correntes ou grupos de interesses, quase sempre mesquinhos.
Independência de espírito, análise objectiva da realidade, isenção crítica, etc., tudo isso rapidamente se perdeu, se é que alguma vez chegou a existir.
Alguns puseram-se a adorar certos Budas da intervenção política, que facultavam a sua graça, na proporção do grau de bajulação demonstrado pelos neófitos.
Assim foi que, ao fim de poucos anos, o ambiente se tornou largamente putrefacto, tendo-se formado múltiplos círculos cujos membros praticam o elogio recíproco, desvirtuando a função dos blogues, como fóruns de debate livre, antes acentuando o espírito de capelinha, do qual todos antes se queixavam.
A realidade portuguesa actual chega a ser confrangedora. Parece que a sociedade toda ela se esgarça, se atomiza, se dispersa, rompendo-se todos os laços tradicionais que lhe asseguraram durante séculos a estabilidade, a coerência e a esperança, única tábua de salvação remanescente, quando tudo aquilo que se sonhava mais se distancia ou se esfuma.
Como Nação velha entre as mais velhas da Europa, tivemos o nosso período áureo, nos séculos XV e XVI, até aos Filipes de Espanha, pelo menos. De então para cá, obrámos ainda a proeza da Restauração da Independência, quando a absorção ameaçava consumar-se.
Lembremo-nos de que, para a maioria da Nobreza, a união com Espanha havia sido bem-vinda, tal como já havia acontecido no final do século XIV, antes de Aljubarrota, onde até irmãos de D. Nuno Álvares Pereira surgiram a combater ao lado do rei castelhano.
A força suplementar que permitiu a nossa sobrevivência, como Nação independente, em períodos cruciais da nossa História, veio sempre de uma pequena parte da população, sã, minoritária, mas suficiente, para arrastar os indecisos, os pusilânimes e, ao mesmo tempo, anular a acção dos cobardes, dos traidores, de todos aqueles que estão sempre dispostos a ceder ante os que se lhes afiguram mais fortes, aos quais nem ousam oferecer resistência, dispondo-se logo a servir quem pensam que pode vencer, na mira de uma futura recompensa pela vassalagem prestada.
Este espírito derrotista, subserviente, é de todas as épocas e lugares. Em Portugal, tem sido um mal recorrente.
Com a adesão à União Europeia, nos anos 80 do século passado, com o triunfo das teses do neo-liberalismo económico, decorrente da derrota do Comunismo, com a entrada de milhões no País provenientes dos fundos da UE gerou-se enorme euforia, na realidade, infundada, como não demoraria a revelar-se, para se tornar, em grande parte, e rapidamente, num amargo logro nacional.
O País, afinal, modernizava algumas infra-estruturas, mas enfraquecia globalmente, nos seus fundamentos, perdia valências fundamentais, com a quase destruição da sua Agricultura, o progressivo atrofiamento do sector das Pescas, bases da nossa autonomia alimentar, a debilitação do sector industrial, etc.
Nada disto será compensado com alguns – poucos – progressos sectoriais no Turismo, na Banca e nos serviços, em geral.
Quando o balanço for feito, daqui por mais alguns decénios, por quem não lucrou pessoalmente com a mudança, apurar-se-á, então, a real dimensão da transformação do País.
No plano da reserva moral e espiritual da Nação, já o rombo surge mais evidente, com o péssimo exemplo dado por aqueles que a têm dirigido de 1974 para cá, porque aos outros que nela mandaram até então, já não é legítimo pedir satisfações, ainda que lhes assaquemos responsabilidades na condução desta Empresa especial chamada Portugal, fundada no longínquo século XII, lá no fundo da Idade Média.
A cada geração, contudo, cabe a sua quota de responsabilidade na Empresa. E, sobretudo, não é sério estar continuamente a remeter para trás o ónus das nossas falhas e omissões.
Se nos deixámos iludir com a integração europeia, após a liquidação tardia de um Império vasto, mas enormemente improdutivo ao longo dos séculos, não nos cabe imputar culpas a quem nos precedeu. Podemos questionar as suas opções, mas não responsabilizá-los pelas nossas, sob pena de flagrante desonestidade intelectual.
A um período de forte ideologia nacionalista, vimos suceder outro de ingénua crença na irrelevância das nações, na futilidade das fronteiras, das culturas e da História.
Desarmámo-nos espiritualmente, abandonando valores, memórias, tradições, cultura, pensando ter adquirido compensações multi-culturais, de um vago internacionalismo, que não podem sustentar comunidades, porque não assentam em qualquer continuidade histórica, nem provêm de nenhuma ligação natural com a nossa cultura historicamente elaborada.
Estes cortes culturais abruptos produzem choques traumáticos, sensações de perda de identidade, com a consequente desorientação espiritual das gerações vindouras.
Nisto estamos, há alguns lustros, descrentes dos que nos governam, dos que nos orientam nas Instituições, a quem não reconhecemos nem competência técnica, nem, muito menos, idoneidade moral para nos conduzirem a qualquer lugar decente.
Uma pequena multidão de chicos espertos, tidos por modernaços, que repetem chavões de conceitos mal assimilados, perpetua-se no Poder, em sistema de rotatividade, como já acontecia no século XIX, até à queda da Monarquia, e como continuou a acontecer, praticamente na mesma, na República caótica que se lhe seguiu.
O interregno da Ditadura, passada a década de 30 do século XX, durante a qual se ergueu o chamado Estado Novo, não trouxe o progresso desejado a este pequeno país, com sofrida memória de potência perdida.
No 25 de Abril de 1974, éramos ainda um Povo bastante atrasado, no plano económico, científico e cultural. As esperanças, porventura desmedidas e grandemente infundadas, do tamanho da nossa ansiedade, não se concretizaram. A ressaca desta espécie de bebedeira política será, por isso, dolorosa, tão exaltado fora o desejo que a motivara.
Gente de quem esperávamos discernimento, clarividência, prudência e lucidez quis empurrar-nos para um universo político já desacreditado, o Comunismo político, instaurado nas chamadas «democracias populares» do leste europeu, já nesse tempo, largamente em decomposição, que só o fanatismo, irmão da cegueira, permitia iludir.
Felizmente que a providencial intuição de Mário Soares aqui oportunamente o bafejou, fazendo-o cumprir então, em Portugal, um papel de inequívoco valor histórico, capital de que, de resto, nos tem cobrado a todos continuados e pingues juros.
Quando, hoje, o vemos a procurar novos protagonismos, na sua cruzada anti-Bush ou anti-globalização, como gosta de salientar, verberando, e bem, o neo-liberalismo económico, que quer fazer regressar formas arcaicas de capitalismo, assentes na crescente pauperização generalizada das sociedades, transformando comunidades em imensas massas de gente desprovida de direitos e de dignidade, a quem só pretende reconhecer o papel de consumidores ávidos e embrutecidos, achamos que vem tarde e, sobretudo, volta a ser politicamente incoerente, recriminando no plano internacional, aquilo que aprova no plano interno ao seu correligionário Sócrates.
No fundo, Soares, aqui, age como sempre agiu, privilegiando o clã em detrimento da coerência política.
Sócrates pode ser medíocre, inconsequente, falho de autenticidade, de credibilidade, trapalhão, velhaco, presunçoso, tudo isso que quiserem, mas é «o nosso homem», é «um dos nossos», que serve o clã e isso prevalece sobre o mais.
Eis o pragmatismo simples e cru que leva Soares a apoiar tão desqualificada figura, que nem sequer pode arrogar-se o estafado argumento da passada militância anti-fascista, que antes servia a Soares e a outros para justificar todas as incongruências e todas as nulidades políticas.
Aqui reina, em pleno, a mais rude doutrina clientelar: «mais vale um dos nossos, medíocre embora, que um bom, mas dos deles».
Temos comprovado a aplicação desta doutrina vezes sem conta, com a agravante de termos observado, igualmente vezes sem conta, a falta de prevenção de quem poderia e deveria opor-se-lhe com firmeza.
Daí que as perspectivas de mudança da presente situação política sejam acentuadamente sombrias e as expectativas muitíssimo baixas.
Aqueles que, sem razão, fundaram esperanças em Manuela Ferreira Leite devem estar agora fortemente desanimados, mais uma vez penosamente decepcionados.
Quem, como MFL, nunca revelou génio político, mas apenas competência técnica específica, nas finanças públicas, não será certamente capaz de operar mudanças significativas no rumo do País, se acaso vier a alcançar essa remota possibilidade.
O seu discurso raramente sairá do estrito quadro económico-financeiro, dos défices do Orçamento Geral do Estado, preocupação que, sendo importante, não basta para afirmar um dirigente político que precisa de galvanizar o País, descrente de actores e agentes conhecidos pela sua incapacidade técnica, pela sua comprovada falta de idoneidade moral, mas que persistem em solicitar ao eleitorado a renovação de uma confiança repetidamente desonrada, vergonhosamente malbaratada.
Daí que seja muito grave a actual situação de descrença e geral desmotivação política do Povo Português. Descrença e desmotivação que geram o ambiente propício ao desinteresse, ao abandono, ao salve-se quem puder, porque não se crê em nada, nem em ninguém.
Daí também o aparecimento de um conformismo avassalador na sociedade portuguesa, o caldo em que se formam todos os videirinhos, os oportunistas de todos os matizes, os hipócritas de todas as ocasiões, que não deixarão de deitar mão a qualquer pulhice que lhes vislumbre um princípio de ganho social.
Que tipo de sociedade poderá resultar de tão nociva mentalidade?
E eis que retorna a questão de sempre, como fatídico mal nacional: como reverter tão repelente quadro político e social?
AV_Lisboa, 07 de Setembro de 2008